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Coronavirus | Direito de Visita e os Alimentos dos Menores

Coronavirus | Direito de Visita e os Alimentos dos Menores

Vamos analisar o impacto do estado de emergência devido ao coronavírus nas responsabilidades parentais, em particular, quanto ao regime de visitas e aos alimentos.

1. O estado de emergência e as responsabilidades parentais

Foi decretado o estado de emergência em Portugal, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, devido à proliferação de casos registados de contágio de COVID-19. Isso implicou a restrição de direitos e liberdades, em especial no que respeita aos direitos de circulação e às liberdades económicas, com vista a prevenir a transmissão do vírus.

Mais tarde, por intermédio do Decreto 2-A/2020, o Governo regulamentou esse estado de emergência. Em particular, para aquilo que nos interessa, determinou três tipos de situações, dos quais emergem determinados deveres: "confinamento obrigatório", "dever especial de proteção" e um "dever geral de recolhimento domiciliário".

Em todos os tipos de situações verifica-se uma limitação do direito de circulação bem como do de liberdade económica. Isso terá então necessariamente impacto no regime que regula as responsabilidades parentais dos menores, quanto ao direito de visita / residência bem como quanto aos alimentos.

Vamos procurar centrar-nos no grupo de pessoas que se encontram sujeitas ao "dever geral de recolhimento domiciliário", pois parece-nos que será aqui onde se encontrará a larga maioria dos progenitores e respetivos filhos, cujas poder paternal se encontra regulado.

O tema central é o de aferir em que medida a declaração do estado de emergência influi sobre o regime de responsabilidades parentais. 

2. As responsabilidades parentais — conceitos básicos

Quando os progenitores deixam de viver juntos, estando ou não casados, e têm filhos em comum, menores, terão de regular as responsabilidades parentais das crianças.

Importa desde já esclarecer os seguintes conceitos básicos, para que compreenda o que se passa.

            ·       Responsabilidades parentais: o direito (e o dever) de decidir as questões de particular importância para a vida dos miúdos (por exemplo, autorizar uma intervenção cirúrgica de risco). Por regra estas responsabilidades parentais são exercidas em comum por ambos os progenitores;

            ·       Residência: local onde a criança tem o seu domicílio. Pode ser com o pai ou pode ser com a mãe.

            ·       Residência alternada: quando a criança reside, alternadamente, por períodos idênticos, em casa do pai e em casa da mãe (por exemplo, uma semana em casa de um e a semana seguinte em casa do outro); 

            ·       Visitas: quando é atribuída a residência da criança ao pai, por exemplo, isto é, o pai vive com a criança a maior parte do tempo, a mãe terá o direito de visita (normalmente, os dias de fim de semana, que alterna com os dias de fim de semana com o pai).

            ·       Alimentos: as despesas necessárias para sustentar a criança, tendo em vista a sua segurança, saúde e educação. ‘Alimentos’ não é apenas ‘alimentação’. Quando se usa a expressão ‘alimentos’  abrange-se tudo o que é indispensável ao sustento da criança (vestuário, calçado, alimentação, despesas médicas, farmácia, consultas, tratamentos, internamentos, transporte, instrução, educação...).

3. As limitações de circulação e o regime de residência e de visitas

O estado de emergência veio determinar para os que se encontrem sujeitas ao 'dever geral de recolhimento obrigatório', a possibilidade de circularem desde que seja para assistência a filhos ou para acompanhamento de menores.

Além disso, de acordo com o art. 5.º, 1, j), do Decreto 2-A/2020, também é possível circular para  o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinada por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente.

Daqui resulta o seguinte, conforme o que se encontra estabelecido no acordo ou na decisão judicial que regulou as responsabilidades parentais, mas desde que o outro progenitor não faça parte do grupo "confinamento obrigatório", isto é, que tenha o covid-19 ou seja infetado com SARS-Cov2, ou do grupo "dever especial de proteção":      

·       Acordo com o regime de residência alternada: o progenitor que tem a criança consigo deve entregar a criança ao outro progenitor nos termos do acordado. Pode circular para esse efeito, juntamente com a criança; no caso de um dos progenitores pertencer ao grupo "dever especial de proteção" quem deve realizar as entregas e recolhas é o outro progenitor; se ambos se encontrarem nesse grupo, as entregas e recolhas devem ser feitas por terceiro, que pertença ao grupo 'dever geral de recolhimento obrigatório'; 

·       Acordo com a residência para um progenitor e direito de visita para o outro: a criança continua a residir com o progenitor; o progenitor com o direito de visita deve recolher e entregar a criança nos dias e nos termos definidos; as entregas e recolhas devem seguir as indicações já referidas no ponto anterior; 

·       Visitas dos avós: o Decreto determina que as pessoas com mais de 70 anos fazem parte do grupo "dever especial de proteção". Portanto, elas não devem circular. Terá de ser o progenitor que pertence ao grupo 'dever geral de recolhimento obrigatório', a levar e a recolher as crianças. Quanto aos avós, propriamente dito, recomenda-se que as pessoas mais idosas devem permanecer isoladas, não para beneficio de quem os visita, propriamente dito, mas sim para seu próprio benefício. 

·       Férias e dias especiais: deve manter-se o regime definido, podendo os progenitores ir recolher e levar a criança para esse efeito, com as exceções que já referimos nos pontos anteriores. Para os dias especiais, não é permitido concentração de pessoas. Nessa situação, as cláusulas que permitem que a criança esteja nos aniversários, por exemplo, devem considerar-se suspensas, exceto no caso de serem dos progenitores e não se verificar um ajuntamento de pessoas. 

·       No caso de um dos progenitores pertencer ao "confinamento obrigatório" a residência do menor deve passar a ser na casa do outro progenitor.  

4. Os constrangimentos económicos e a pensão de alimentos

O governo também criou um conjunto de soluções para mitigar os efeitos económicos da crise que se vive. Alguns deles originam uma diminuição dos rendimentos dos progenitores na ordem dos 33%. É o que acontece quando não podem trabalhar, por assistência inadiável a menor de 12 anos, com um limite mínimo de 635 euros e um limite máximo de 1.905 euros.

Ora, não obstante o valor dos alimentos ter sido fixado ou no acordo alcançado ou na decisão judicial, o certo é que as medidas excecionais que vivemos exige uma adaptação ao que se encontra definido.

De acordo com a lei, na fixação da pensão de alimentos consideram-se:

            ·       as possibilidades económicas dos progenitores ­— os rendimentos e as despesas, essenciais, que os progenitores têm; 

            ·       as necessidades económicas do filho — as despesas dele e que sejam atuais; 

            ·       as possibilidades económicas do filho — os rendimentos que o filho consegue obter (embora se chame a atenção que, até à menoridade, as possibilidades económicas próprias do filho são pouco consideradas para o cálculo final).

 O momento que vivemos pode ter levado a uma diminuição das possibilidades económicas do progenitor (embora se possa admitir que ele próprio também tenha menos despesas) bem como poderão ser mais reduzidas as necessidades económicas do menor (por exemplo, desde logo, porque não tem de ser transportado para a escola).

 A redução das condições económicas do progenitor que paga os alimentos e a redução das despesas da criança justificam que o valor da pensão mensal a pagar também possa ser reduzido na proporção dessas alterações. Deve haver um acordo quanto a este ponto entre os progenitores, para vigorar neste período.

 É certo que cada caso é um caso. Mas as linhas gerais devem ser estas.

  

Ricardo Marques Candeias

Advogado

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